Memória ilustrada
Daqui a alguns meses, se tudo ocorrer certo, serei oficialmente um designer, um profissional da comunicação visual. Ainda tenho muito pela frente lógico, esse é só o começo. Mas foi uma boa caminhada até aqui... mas porque eu vim parar logo aqui? Depois de escrever sobre a minha memória musical me indaguei: porque designer e não musico? Resolvi fazer outra escavação na minha mente para me conhecer melhor ao que me trouxe até o designer e consequentemente o ilustrador que pretendo ser.
Bom, eu tenho uma boa resposta quanto ao fato de não ser musico, vergonhosamente eu não sei tocar instrumento nenhum, sim isso é uma lastima para mim. Se eu gostava tanto das guitarradas porque eu não pensei desde aquele tempo em fazer aulas de violão pelo menos? Se eu começasse naquele possivelmente hoje eu seria um demônio (ou não) dos dedilhados. Mas enfim, música eu apenas apreciava, o que eu praticava desde aquela época, como toda criança, era o desenho.
Não lembro muito bem de eu estar desenhando em casa, mas em casa sempre gostei ao menos de assistir desenhos na TV, inclusive sempre gostei muito disso. Lembro da vovó Mafalda e coisas como ursinhos carinhosos. Mas isso eram nas poucas manhãs em que eu acordava... de manhã. Geralmente eu acordava tarde e fazia qualquer outra coisa. Na escola é onde nos incentivam a desenhar, na minha primeira escola, onde fiz a série a qual chamávamos de Jardim na época, há dois fatos que me marcam em relação a isto: um era sobre as pinturas, davam aqueles desenhos prontos em que só tínhamos que pintar, o que eu gostava de fazer era usar o maior número de cores possíveis sem repetir e pintar as coisas com as suas cores erradas, o motivo disso se não me engano era realmente ver as coisas diferente de como elas são na realidade. Se o sol é amarelo na vida real, porque pintar ele nessa cor no desenho que é meu? Eu sei como é o sol amarelo, mas e se ele fosse verde? Ou marrom? Pessoas de pele azul e grama vermelha, meu desenho me divertia e matava minha curiosidade; A outra lembrança é um desenho em que pediram para fazer alguma coisa que víamos no caminho que tomamos de casa até a escola. No meu desenho havia uma margarida e um mercado cor-de-rosa, eu fui elogiado por esse desenho, mas parecia um elogio diferente como se eu tivesse feito algo de muito diferente dos outros. Logo com isso acho que eu aprendi que posso ser elogiado com meus desenhos e ser diferente dos outros.
Na outra escola já nos primeiros anos a coisa era diferente, tínhamos que aprender a ler, mas... eu já sabia, havia aprendido a ler com quadrinhos da turma da Mônica e Nosso Amiguinho. Inclusive revistas muito influentes também no meu processo de aprendizado do desenho, sem falar que as historias da turma da Mônica são muito boas pras crianças, além de serem politicamente corretas, elas são criativas e viajonas, o Cebolinha mesmo é uma mente incrível, depois de virar mangá ele vai ser inventor... ou pelo menos designer. Enfim, aprendi a ler com quadrinhos, e na escola não tinha interesse em copiar aqueles textos imensos do quadro, o que eu poderia fazer então? Desenhar é claro, mas meu plano não era muito esperto, já que a professora conferia quem copiava ou não, e logo levei xingada, fui obrigado a escrever, mas acabava me distraindo com as letras que pediam que eu as deixasse mais divertidas, então eu sempre fazia carinhas nas letras, o traço do “t” era uma boca feliz, depois duas bolinhas faziam os olhos. Com o passar do tempo, na TV eu fui assistindo umas besteiras japonesas do tipo Jaspion e Jiraya, e eu sempre gostei muito dos monstros, eram coisas que não se vê por aí, e logo eu queria desenhá-los.
Esses tempos eu fui em uma palestra sobre ilustração em que o palestrante disse que crianças desenham para contar as historias que passam na cabeça delas, eu tinha historias com monstros e dragões graças aos desenhos e besteiras japonesas. Aos poucos fui pegando um gosto pelo lúgubre e mórbido, nessa época eu deveria estar pela segunda ou terceira série, por volta de 1997 eu acho (eu desenhava nas aulas de matemática e isso afetou muito o meu pensamento matemático) não sei direito o ano, mas acho que era a terceira série, dois desenhos marcantes: um dragão em cima de um penhasco ou algo assim; e uma folha toda (mal)pintada de preto, uma caveira feita com lápis normal bem pequena em um canto e um raio amarelo enorme quebrando a página atingindo a caveira. Esse segundo muito me orgulhava, mas as pessoas olhavam e diziam “é só isso?” acho que elas esperavam mais de um desenho que me alegrasse tanto.
Houve uma época em que tínhamos que fazer um trabalho escrito sobre algum artista, eu fiz sobre o Van Gogh, eu não lembro de nada do trabalho escrito porque peguei de uma enciclopédia Barsa ou algo assim, mas lembro que meu falou que Van Gogh pintava bastante coisa com amarelo, e que ele era meio louco, cortou a orelha e tal, por fim meu pai juntou uma dedução pessoal dele e disse que amarelo era cor meio de loucos. Ótimo a partir disso comecei a gostar do amarelo de uma maneira cada vez mais particular. E cada vez mais eu me sentia diferenciado dos outros pelo fato de desenhar. Meu melhor amigo, era um garoto que desenhava junto comigo, inclusive acho que ele desenhava melhor que eu. Era muito divertido o desenho dele e bem criativo infelizmente (ou não) ele começou a se interessar por outras coisas e foi parando de desenhar. Ele desenhava monstros e personagens de desenho comigo, o engraçado é que hoje ele desenha da mesma maneira que há mais ou menos esse 12 anos atrás, e ele faz os mesmos desenhos. O meu preferido é o monstro do “foguinho legal”. Toda páscoa tínhamos que fazer um desenho utilizando símbolos da...páscoa, óbvio. Eu e este amigo sempre fazíamos o mesmo desenho todo ano, e riamos muito, era um coelho da páscoa com uma expressão marota fumando uma cenoura, isso e outras besteiras, e mais uma vez o desenho para mim era um parque de diversões.
Minha programação diária em casa era assistir TV. Isso implicava na programação da TV cultura, onde passava entre programas como Rá-tim-bum, vários desenhos, e eram educativos também. Na hora que paravam os desenhos, eu tinha a finada TV Manchete com seus desenhos japoneses, e lembro também de Bacamarte e Chumbinho (um Tom e Jerry genérico) e ainda na falta disso tínhamos um canal que fazia propaganda de uma TV por assinatura e as vezes passava um tempo de Cartoon Network. Em 1998 a mudança de casa que trouxe TV por assinatura, sim canais infinitos e eu podia agora optar entre dois principais canais com desenhos: o já citado Cartoon Network e a Nickeloadeon. Mas estes não eram os únicos canais com desenhos, e eu passei a assistir umas coisas mais adultas (com apenas 10 anos) a MTV mesmo trazia Beavis and Butthead (que era mais ou menos), Daria (que era legal), Aeon Flux (que era uma loucura e um tanto adulto) e The Maxx (meu preferido, mas eu não entendia muita coisa) e um outro canal chamado Locomotion confirmou o meu gosto por Animês (mais ou menos nessa época que eu descobri que isso tinha nome) eu já gostava muito de coisas como Cavaleiros do Zodiaco, Yu Yu Hakusho, Sailor Moon e as Guerreiras Mágicas de Reyearth. Mas com a Locomotion... eu fiquei alucinado, vi muitos desenhos, para muitas idades e com muitos conteúdos que as vezes acho que eram impróprios para mim, isso me fez desenhar muito e muito. Eu desenhava assistindo TV. Adeus vida social.
O colégio em que eu estudava era muito bom porque tinham poucos alunos e poderia ser dada uma atenção especial para cada um de acordo com seu perfil. Eles me incentivavam muito a desenhar, eu não gostava muito de pintar, e quando eu estava na quinta série tivemos um trabalho de geografia em que tinha que pintar o mapa do Brasil de acordo com suas regiões, eu estava tão orgulhoso porque eu não pintava tão bem, mas aquela pintura estava saindo ótima, pelo menos para mim, a professora quando viu aquilo me xingou com tanta intensidade dizendo que a pintura estava horrível, e pobre de mim que estava orgulhoso, aquilo foi traumatizante, e raras as vezes que eu peguei um lápis de cor na mão depois disso. Mas quando a coisa era tinta eu ainda me animava. Gostava de fazer o estilo Jackson Pollock. Pelo incentivo que me davam, me abriam muitas oportunidades de fazer desenhos de cartazes e outras coisas para uso da escola isso foi muito bom.
Por volta dos 13 anos, a quebra, o tempo moderno da minha vida. Comecei a ter vida social, sair para festas e me interessar por garotas e coisa assim. Não larguei totalmente o desenho, mas desenhava bem menos constantemente, mas quase não vi mais TV e na escola eu conversava mais do que desenhava. Com isso eu dei uma boa enferrujada no desenho por algum tempo. Até entrar na faculdade.
Escolhi design porque acreditava que eu desenhava bem e tudo mais. Ledo engano. Vi que eu não desenhava nada. Mas me abriu muitas portas e oportunidades de melhorar, passei a desenhar mais e mais de novo, voltei a conversar com os lápis de cor, mas nem tanto, só não somos mais inimigos, estou bem mais amigo das tintas, principalmente as aguadas, acrescentei o computador na minha lista de materiais de desenho, não só o computador, mas muitas coisas que me aparecem na mão como canetas, café, shoyu, sujeira, pedaços de revista e jornal, carvão. Conheci mais uma grande gama de materiais e maneiras de desenhar. Hoje sou grande adepto da experimentação e tudo é válido. Tenho um monte de referencias conheci artistas, conheci outras pessoas que desenham muito bem, muito melhor que eu na verdade. Outros estilos.
Continuo tendo como minha programação preferida da TV os desenhos, meu tipo de leitura preferida, os quadrinhos (agora umas coisas bem mais sérias e/ou experimentais). E ainda não desenho bem, mas continuo me divertindo muito e tirando as historias que tem na minha cabeça.